Subscreve!

Um presente que mudou tudo – Ulisse Dapa

Em 1979, quando completei o 9º ano de escolaridade, recebi uma das melhores e mais caras prendas que alguma vez os meus pais me ofereceram em toda a minha juventude: Um sistema de alta-fidelidade compacto.

Um Crown SHC-5500, com umas colunas Coral de quatro vias. Naquele Verão o Natal veio mais cedo na forma duma aparelhagem, que escolhi numa loja da especialidade, ali perto do Arco do Cego. E com ela alguns discos.

Na verdade, esta aparelhagem nada tinha de compacta.

Era gigante e pesada.
Tinha um gira-discos com regulação de pitch, um gravador de cassetes estéreo, um rádio com bandas AM e FM e uma panóplia de filtros e botões que o tornavam uma peça admirável.
Para não destoar, o enorme par de colunas Coral, em madeira, tornavam-nas difíceis de transportar.
Mas não era esse “pequeno” pormenor que me fazia desistir em levar o equipamento para as festas organizadas pelos amigos do bairro. 

Nessa altura, nenhum de nós tinha carro ou carta de condução e sempre que fazíamos uma festa eram precisos pelo menos quatro tipos para transportar toda aquela parafernália. Mas valia sempre a pena.

Entre 1979 e 1980 conheci o Paulo Zé, o irmão mais velho duma namorada minha, dessa altura e que tinha uma aparelhagem da National Panasonic, em tudo semelhante à minha.

Decidimos juntar esforços e passar a fazer dupla nas festas organizadas por nós ou por amigos comuns.

Ainda sem mesa de mistura fazíamos as passagens das músicas baixando o volume de um dos sistemas e aumentando o do outro, sem muitas preocupações em acertos de batidas o que era quase impossível naquela época, uma vez que só usávamos dos singles de 45rpm e os álbuns completos que rodavam a 33rpm.

Porém, por volta de 1980 começaram a surgir os primeiros maxi-singles, com versões longas, principalmente das músicas de dança, onde se percebia haver já alguma preocupação em permitir aos disc-jockeys o acerto das batidas e transições subtis.

Enquanto no nosso “pequeno mundo”, eu e o meu amigo Paulo nos divertíamos, com as festas que organizávamos ou para onde nos convidavam.

Simultaneamente, fomos ganhando o nosso espaço naquele pequeno circuito de festas, sem grandes meios, mas cheios de vontade em fazer os outros dançar.

Enquanto isso, Lisboa preparava-se para o boom das discotecas.
Surgiram clubes que tinham durante a semana e ao fim-de-semana as matinées, proporcionando ao público maioritariamente juvenil a possibilidade de frequentarem o ambiente dos clubes de dança, durante o horário diurno.


Muitas faltas às aulas se deram para dar um pezinho de dança no Archote Club e noutros clubes semelhantes, na zona das avenidas novas.

Mas era no Bairro Alto e em Alcântara que se encontravam as discotecas da moda, e que gravaram o seu nome na história da noite lisboeta dos anos 80 e 90.

O Frágil, foi certamente um dos clubes mais icónicos de Lisboa.
Situado no coração do Bairro Alto, era local de encontro duma geração em contante mudança e onde a comunidade criativa e avant-garde tinha como refúgio.

Nomes como António Variações ou Ana Salazar faziam parte dos habitués daquele espaço. Também ligado aquele clube icónico está o nome de Catarina Martins, a exuberante porteira do clube do empresário Manuel Reis e cujas gargalhadas eram a sua marca registada. 

A noite lisboeta era rica e diversificada, tanto em ambientes, como em nos géneros musicais que eram referências para se escolher onde se ia passar parte da noite. Escolhas que poderiam passar por uma ida ao Frágil ou ao Rock Rendez-vous.

Mas nem só Lisboa tinha locais icónicos. Cascais gabava-se de ter uma das melhores discotecas do país: O 2001.

Este espaço ganhou fama e passou a fazer parte do roteiro dos rockeiros, principalmente às quintas-feiras e aos domingos.

Naquele espaço, partilhavam o gosto pelo rock, os meninos ricos da “linha” e os miúdos oriundos de famílias menos favorecidas, vindos de Lisboa e da periferia.

Ir de Lisboa para o 2001 em Cascais era uma aventura, pois não havia a A5 e poucos eram aqueles que aos 18 anos tinham carta de condução e muito menos viatura própria, pois a Catedral do Rock ficava junto ao autódromo do Estoril, o que obrigava todos os que para lá rumassem, ir em viatura própria, carro ou mota, ou ainda de táxi, que se apanhava algures, entre a saída na estação do comboio do Estoril ou outra qualquer até Cascais.

Ir de boleia podia ser uma solução, mas corria-se sempre o risco de não a conseguir.

Mesmo que se conseguisse chegar à meca do rock, onde passaram, mais tarde, já no novo milénio, bandas icónicas como os Peste & Sida ou os Xutos e Pontapés, não era certo que se conseguisse entrar, isto porque muitos de nós ainda não tinha idade para frequentar aqueles espaços e por outro lado, tínhamos de cair nas boas graças de quem estava à porta.  

Para os rockeiros todo o esforço valia a pena para estar nas noites loucas do 2001, em Cascais, mesmo sabendo que o regresso a Lisboa iria ser outra aventura, pouco entusiasmante.

Ulisse Dapa

Muito obrigado Ulisse Data por partilhares com nos as tuas memorias.

Queres escrever as tuas memorias e publicar neste blog, escreve-me aqui.

Este sitio web utiliza cookies para que usted tenga la mejor experiencia de usuario. Si continúa navegando está dando su consentimiento para la aceptación de las mencionadas cookies y la aceptación de nuestra política de cookies, pinche el enlace para mayor información.plugin cookies

ACEPTAR
Aviso de cookies