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Uma festa de Arromba – Ulisse Dapa

Quem viveu num dos vários bairros populares de Lisboa, entre 1960 e o ano 2000, sabe que nesses bairros existiam clubes recreativos ou desportivos, que habitualmente davam aos seus sócios mais velhos a possibilidades de se reunirem naqueles espaços para sessões nocturnas de jogo da sueca ou de dominó, enquanto aos mais novos oferecia a possibilidade de jogarem na equipa futebol salão, participar em outras actividades desportivas e até em grupos de teatro. No bairro onde cresci havia duas dessas associações de bairro:

Julgo que o CFV era o clube mais velho e com mais tradição, tendo a sua sede no primeiro andar do nº 54 da Rua Lopes, enquanto o AFC tinha a sua sede nuns terrenos baldios, perto donde hoje se encontra a Igreja Paroquial de São Francisco de Assis.  

Esses terrenos foram ocupados logo após o 25 de Abril de 1974, por um punhado de sócios, que aos poucos transformaram um barracão num edifício de tijolo, com  um salão multiusos, que servia a maior parte das necessidades e actividades do clube, fosse para uma noite de fados, uma soirée de poesia, um baile de fim-de-semana ou para uma aula de karaté.

Estes dois clubes do Bairro Lopes tinham as suas rivalidades, principalmente no que dizia respeito o futebol. Contudo, essa rivalidade ultrapassava o âmbito desportivo e alastrava-se ao que ambos ofereciam aos seus sócios e familiares, em termos de actividades de lazer.

Os bailaricos de fim-de-semana e os concursos de dança começaram a surgir em ambos os clubes e ocupar as direcções destes em perceber como cativar esta geração tão diferente das anteriores, que desejavam mais que tudo, divertir-se.

Numa altura em que eu e o meu amigo Paulo Zé já eramos conhecidos pelas nossas festas, um dos directores dos “Ases” arranjou maneira de falar connosco e propor-nos a possibilidade de fazermos os bailes de Carnaval daquele ano. Ficámos sem palavras.

As festas que até ali tínhamos feito em nada se podiam comparar com aquilo que nos acabavam de propor: Três dias de bailarico, numa sala que podia levar umas centenas de pessoas.

Não estávamos preparados para esta tarefa, pois logisticamente era algo que nem sequer imaginávamos como resolver, pois as festas que realizávamos ficavam-se sempre pelas poucas dezenas de amigos e respectivas namoradas e doutros amigos e amigas que foram entrando nestes circuitos.

Aquela festa precisava de outro tipo de equipamento que não tínhamos e que não nos era acessível e isso poderia comprometer tudo.

Porém, um amigo nosso, mais velho, o Passadeiras, que já tinha feito a tropa na Marinha, conhecia alguém que nos valeu nesta aventura carnavalesca, apresentando-nos a um tipo que alugava equipamento de som de palco.

As negociações ficaram à responsabilidade do nosso amigo Passadeiras, que nos conseguiu um par de monitores de palco de 2000 watts cada, acabadinhos de chegarem duma digressão dos Heróis do Mar, uma banda que teve um enorme sucesso no início dos anos 80, com temas que ficaram para a posteridade, como “Amor” ou “Paixão”. Juntamente com os dois monitores veio uma rack de amplificação, com um equalizador e todo o tipo de parafernália necessária.

A luz ficou a cargo doutro amigo de infância, um entusiasta da electrónica, que fazia os seus próprios moduladores de luzes psicadélicas.

Assim, pela primeira vez assumimos a responsabilidade de fazer uma festa onde eram esperadas muitas dezenas de pessoas, vindas de todo o bairro e fora dele.

Na cabine improvisada, estava uma pequena equipa: Eu e o Paulo Zé, que eramos dos DJs de serviço, o Zé Passagem que ficou com a responsabilidade das luzes e o meu amigo Passadeiras, que ficou de atalaia, para que nada acontecesse ao equipamento que nos conseguiu arranjar.

Foram três dias intensos e sempre com casa cheia, a abarrotar. 

Lembro-me de perceber, através da pequena janela improvisada que tínhamos, na não menos improvisada cabine, da imensa mole humana que dançava aos ritmos brasileiros de Márcio Ivens, com o seu Bilú Tetéia ou ainda outros êxitos incontornáveis, tais como  “Me Dá Um Dinheiro Aí”, “Mamãe Eu Quero”, “Cachaça”, “Saca-Rolha”, “Chiquita Bacana” ou a “Turma do Funil”.

Se no primeiro dia o salão estava “bem composto”, no dia seguinte e a noite de segunda-feira as caras conhecidas começaram a ser menos que as que conhecia das festas que fazia, pois a maioria eram de estranhos que vinham por ter ouvido dizer que ali se fazia festa rija.

Das paredes escorria água da muita condensação gerada pela aglomeração de tanta gente naquele espaço, que sendo generoso, se mostrou pequeno para receber tanta gente. Foi um Carnaval que marcou de forma indelével todos os que participaram activamente na produção do evento.

Estávamos cansados, mas felizes do que tínhamos acabado de fazer.

Porém, ao contrário do esperado, não recebemos novo convite para produzir outras festas naquele clube, pois a direcção ficou sensível aos receios dos sócios mais velhos, em deixarem de ter ali o seu espaço que inevitavelmente seria ocupado por jovens barulhentos que gostavam “de música maluca”.

Foi uma decisão que recebemos com surpresa, mas que poucos dias depois já fazia parte do passado.

O nosso futuro e o das nossas festas não passava pelos “Ases”, mas não estaria muito longe dali. 

Pouco tempo depois desse Carnaval o meu amigo Paulo Zé deixou de ter disponibilidade para manter a parceria que tinha comigo.

Foi uma época de impasse, pois o equipamento que tinha já não era o suficiente nem o adequado para continuar com aquele modelo de festas.

Durante esse impasse recebi o convite de começar a fazer matinées no clube Varejense, juntamente com outros djs.
A sala era mais pequena que a do clube rival, mas oferecia melhores condições.

Tinha uma cabine decente, colunas com potência suficiente e um sistema de luzes de fazer inveja a muitos clubes, tendo em conta que se tratava dum clube de bairro.

As tardes de sábado e domingo eram animadas naquele primeiro andar do nº54 da Rua Lopes e durante algum tempo estive por lá, fazendo o que mais gostava: Fazer os outros dançar.

Ulisse Dapa.

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